Por Inês Castilho
divulgação |
Terra onde, em se plantando, tudo dá, o Brasil cumpriu nas últimas
décadas o vaticínio: tornou-se celeiro do mundo. Nos anos 1970, surfou
na onda da Revolução Verde e adotou o fertilizantes, a monocultura e a
agricultura mecanizada. Quarenta anos depois, a onda virou tsunami:
somos um exportador gigante de grãos e de carne. Mas e a busca por uma
alimentação mais equilibrada?
A expansão do agronegócio e a cultura extensiva dos alimentos
mecanizados e fertilizados também deixam um gosto imprevisto na boca dos
brasileiros. O passivo ambiental legado por esse modelo industrial
contabiliza erosão e esgotamento dos solos, poluição dos rios e
aquíferos, desmatamento e extinção de espécies animais e vegetais. Se é
verdade que a superpopulação mundial ganhou, nas últimas décadas, mais
acesso a proteínas baratas, é mais que preocupante o número de pesquisas
que ligam a indústria de agrotóxicos a doenças – sendo o câncer a
principal delas.
Assim como do yin nasce o yang e vice-versa, datam também dos remotos
anos 70 a busca por outro alimento. A inspiração veio do Oriente, da
macrobiótica, que tem como base o equilíbrio entre sódio e potássio. Na
capa de Refazenda, álbum de 1975, Gilberto Gil está sentado em postura
de lótus, de quimono azul celeste, comendo com hashi. “Abacateiro,
acataremos teu ato, teu recolhimento é justamente o significado da
palavra temporão” – cantava. A lembrança veio em boa hora: já nos
acostumávamos a comer tudo, de todo lugar, a qualquer tempo.
A partir dos anos 1980 também ampliaram se as lavouras orgânicas, os
entrepostos e os restaurantes naturais. Vegetarianos ganharam
visibilidade. Nasceram os movimentos mundiais de ecovilas. Surgiram as
certificações e as feiras orgânicas, nas quais o alimento passa das mãos
do produtor diretamente para as do consumidor. A primeira foi a de
Porto Alegre, fundada em 1989, com a presença do ecologista José
Lutzenberger (1926-2002).
Na mesma medida do progresso da devastação, ganhou escala e refinamento
a produção agroecológica. O arroz biodinâmico Volkmann, por exemplo,
cultivado desde 1983 em Sentinela do Sul (RS), é hoje revendido em mais
de 800 entrepostos do país. “O mercado nacional acordou para os produtos
orgânicos, não precisamos mais exportar”, diz seu produtor, João
Batista Volkmann, que acaba de falar sobre “as forças vivas na lavoura
de arroz” no I Congresso Internacional de Arroz Orgânico, ocorrido em
Montpellier, na França, em agosto.
Mudança de hábito
Nesses últimos 40 anos, a vida nas cidades mudou. As mulheres entraram
no mercado de trabalho e o hábito de comer na rua se consolidou.
Substituímos os alimentos tradicionais, com hidratos de carbono
complexos, fibras, vitaminas e minerais, por outros com hidratos de
carbono de absorção rápida: alimentos processados, refrigerantes,
salgadinhos com alto teor de gordura saturada e gordura trans – a
chamada junk food, a comida pré-fabricada turbinada por produtos
químicos. Mais de 80% dos brasileiros, de todas as idades, seguem, hoje,
dieta inadequada. Ao mesmo tempo, com a melhoria na distribuição de
renda e o aumento da prosperidade, o consumo per capita de bovinos
atingiu 37,5 quilos em 2010, 5% a mais do que em 2009, apesar de uma
alta de 38% no preço.
Fiéis às nossas raízes, felizmente continuamos comendo o tradicional
feijão com arroz, uma mistura proteica rica em minerais e vitaminas. Mas
ingerimos carne vermelha em excesso, e apenas um em cada dez
brasileiros se alimenta com frutas, legumes e verduras recomendáveis.
Acrescente-se a isso doses excessivas de gordura saturada, sal e açúcar –
este, usado e abusado no cafezinho, alimento mais ingerido no país. As
informações são da Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil,
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
na Pesquisa de Orçamentos Familiares (2008-2009).
As calorias baratas que lotam os supermercados contribuem com números
recorde de doenças relacionadas à alimentação. “Há hoje mais obesos e
pessoas com sobrepeso no mundo do que famintos. Os custos para o sistema
de saúde e o comprometimento da qualidade de vida são imensos: será que
as empresas não têm nada a ver com isso?”, pergunta o professor da
FEA-USP Ricardo Abramovay, autor de Muito Além da Economia Verde.
“Estamos plantando uma bomba-relógio nos corpos das crianças do mundo
inteiro”, afirma Raj Patel, autor de Stuffed & Starved – The Hidden
Battle for the World Food System (Cheios & Famintos – A Batalha
Secreta Pelo Sistema Mundial de Alimentos), de 2007. “Hoje, os mexicanos
tomam mais Coca-Cola que leite. O resultado é que um em cada dez
mexicanos está diabético.”
continue lendo: http://revistaplaneta.terra.com.br/secao/saude/voce-e-o-que-voce-come